domingo, 3 de outubro de 2010

Ave, Neumayer,

Como você bem colocou, a questão do reconhecimento de certos talentos no Brasil é antiga. Mas, creio, sempre pertinente. João Gilberto, por exemplo. Só um tonto de marca maior acredita realmente que o sujeito é uma unanimidade. Sempre que leio uma matéria sobre João na internet, vou lá no pé da página, em busca dos comentários dos leitores. É uma tragicomédia sem fim, um monte de idiotas babando ressentimento.

Sempre que falo de João Gilberto, me lembro de uma matéria que escrevi da última vez em que ele veio tocar no Rio. Entrevistar o sujeito, claro, era impossível. Fui, então, atrás de gente que o conhecia -- Miúcha, João Donato, Daniel Jobim, Roberto Menescal, Moogie Canazio, Ruy Castro, Carlos Lyra, Elba Ramalho (você ainda não era o assessor), Bebel Gilberto (que não me atendeu), Caetano Veloso (idem)... Um dos melhores papos foi com o porteiro do prédio onde ele mora. Me deu uma boa ideia da simplicidade do homem por trás do artista, em que pesem as manias. Enquanto eu conversava com o porteiro, João saiu de carro pela garagem. Daria para correr escada abaixo e tentar trocar duas palavras com o mito, mas o porteiro só soube -- logo, só me avisou -- depois que ele já havia saído.

Voltando à vaca fria, me ocorre que o próprio Mario Adnet mereceria um reconhecimento maior por seus trabalhos próprios. Receio que, para o bem e para o mal, ele tenha tido a sua imagem atrelada ao do grande artista (que indubitavelmente ele é) por trás de discos baseados em outros compositores: Gershwin, Jobim, Baden Powell e Moacir. Sem Mario Adnet, eu certamente teria demorado mais para conhecer Moacir Santos, e devo isso a ele, sem dúvida. E, assim como eu, há outros. Mas há um Mario com existência independente, para além de Ouro Negro ou Afrosambajazz, o excelente disco que ele gravou com músicas de Baden.

Veja, por exemplo, o último disco do Mario, O Samba Vai, lançado há pouco. Pode não ser o disco do ano, mas merecia muito mais reconhecimento do que realmente teve na imprensa. E não me refiro a mais estrelas na cotação da crítica, porque isso é uma bobagem. Falo da questão meramente jornalística que é dar atenção a um dos grandes nomes da atual música brasileira, lançando o seu primeiro disco de inéditas, de composições autorais, e cantando, depois de anos se dedicando a obras de outros. Esqueça a música. Antes mesmo dela, há (ou deveria haver) um interesse jornalístico aí. Não?

Wynton Marsalis, em pessoa, ligou para o Mario e convidou-o para tocar no Lincoln Center, que lotou por duas noites. Imagine, toca o seu telefone e alguém fala: "Aguarde um instante, mr. Marsalis vai falar com o senhor." Eu desligaria, achando que é trote. Ivete Sangalo cantou em Nova York. Agora, compare. Não, não quero ter a pretensão de achar que Mario Adnet, um dia, terá o mesmo espaço na mídia que Ivete Sangalo. Acho até que, de certa maneira, é bom que não tenha (podemos desenvolver esse tópico, se quiser). Mas a desproporção é absurda, muito além do que seria esperada. É triste.

Em tempo: aguardo suas impressões sobre Brad Mehldau, que não vi (estava chacoalhando ao som de alguma coisa de disco music numa festa de casamento).

Ave,

Rafael

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