segunda-feira, 28 de março de 2011

Salve, Neumayer,

Doze dias é muito tempo para esperar um simples retorno, mas o excesso de trabalho (matéria com uma penca de hollywoodianos difíceis de fisgar), preparativos para o meu aniversário (foi no último dia 19) mais uma gripe fortíssima que me pegou (no momento em que escrevo, estou com 38 de febre), juntos, são desculpa suficiente. Dito isso, vamos lá.

Peguei Mondo Cane na rede pra dar uma ouvida, e gostei, ainda que de uma maneira um tanto folclórica, tipo "nossa, olha que curioso, o cara do Faith No More cantando em italiano...". Não coloquei pra rodar de novo, mas quem sabe. Raphael Gualazzi, a quem você me apresentou, parece bom, mas eu confesso que preferi escutá-lo tocando standards em vídeos do YouTube do que naquela música dele. Sei lá, acho que estou ficando velho. Ou talvez sejam os 38 graus de febre.

Mas Madness of Love cativa. Sabe do que sinto falta, na verdade? De solos mais alongados. Será que os jazzistas-pop da atualidade só guardam seus solos para as apresentações ao vivo? Lá pelas tantas do clipe desta Madness of Love, há um princípio de trompete com surdina que clama por continuidade, mas, bem, o cara mal começa e já para. Mesmo o Gualazzi poderia se alongar em seu solo de piano. Será que nenhum jovem jazzófilo quer ouvir músicas com mais de quatro minutos em casa?

Você me pergunta sobre Nina Simone, e é claro que ela é grande. Mas a tríade Billie-Ella-Sarah ainda faz mais a minha cabeça (já disse que estou ficando velho?), especialmente as duas primeiras. Billie é um caso raro, paradoxal, mesmo, de voz que melhorava à medida que decaía. Compare suas primeiras e últimas gravações e entenda o que estou dizendo. Ella foi a primeira das divas de jazz que me pegou de jeito, em um disco dela com Louis Armstrong, de modo que acabei desenvolvendo uma afeição. No mais, os songbooks que ela dedicou aos grandes da música americana são obrigatórios. Sarah, não sei se você sabe dessa história, era tão perfeita tecnicamente que cantava uma nota para que os músicos afinassem os instrumentos.

Recebi uma coletânea comemorativa de 25 anos de Pet Shop Boys, de quem você sabe que gosto. Há um DVD impagável, com um show em Glastonbury em 2010, basicamente o mesmo que assisti aqui no Brasil no ano passado. Cenário engenhoso, com cubos que vão mudando de lugar e formando desenhos nos quais são projetados vídeos e cores. No mesmo DVD, há uma série de clipes raros gravados por Tennant e Lowe para a BBC. O valor ali ultrapassa a música: é um documento da evolução da estética pop, nos registros de uma das duplas mais pop de todos os tempos. Bem divertido.

Também recebi O Micróbio do Samba, disco de sambas da Adriana Calcanhotto, que por enquanto só rodou uma vez, e é bonito. Só não falo mais porque vou escrever sobre pra Rolling Stone, então não quero antecipar opiniões.

E, por fim, chegou também um DVD + CD de um show ao vivo celebrando os 50 anos de carreira da Tina Turner (que é uma das cantoras preferidas do... meu pai). Só coloquei o CD pra rodar, e Tina continua ótima.

Por enquanto, é só. Vou me deitar e cuidar dessa gripe.

Abraço,

R.

terça-feira, 15 de março de 2011

Salve, Rafael, é bom estar de volta.

A viagem foi ótima. Peço licença à música para dar uma passada rápida no roteiro. Itália, como eu imaginava, me encantou, foi espetacular. Roma, principalmente. Cidade incrível, que pretendo voltar logo. Depois em Paris, fiquei um pouco intimidado com a cidade no início, mas depois embarquei naquela beleza toda e me perdi nas prateleiras da Virgin Megastore, e também da Fnac. Madrid e Lisboa fecharam o roteiro com chave de ouro. Quase 20 dias foi um bom tempo longe e totalmente offline.

Mas vamos lá. Bacana suas novidades, sobretudo as do mundo do jazz. Estão anotadas. Caetano eu deixo pra depois. Gosto de ler você falando de jazz, mesmo, justamente pelo fato d'eu ser apenas um turista nesse mundo imenso. E pegando carona, comprei um belo box chamado Completa Columbia Studio Recordings, da Miles Davis/Gil Evans era. São seis cds traçando a época e também um belo livro no meio. A edição é linda e é o tipo de coisa que, aqui, custaria os olhos da cara e lá paguei 18 euros.

Na primeira cidade do roteiro, Roma, já comecei a saga comprando um box do Ennio Morricone, com 15 cds. Também lá pesquei outros interessantes: Mondo Cane, projeto de música italiana com banda e orquestra, do Mike Patton, aqueeele da banda Faith No More. Ele ataca de crooner em canções das décadas de 50 e 60. É o que tenho escutado nos últimos dias. Muito bom. E também Raphael Gualazzi, jovem pianista, compositor e cantor, que está em alta por lá e tem um som interessante, caindo pro jazz com bom gosto.

Vale uma ida no youtube atrás de Madness of Love, bela canção. Quero saber sua opinião.

Tem mais novidade para falar depois, à medida que for tirando as coisas da mala. Ah, também arrematei um box com 5 cds da Nina, em versão mini LP. Nem vamos falar mais de preço das coisas...

Aliás, acho que nunca falei aqui da minha admiração pela Nina Simone. Ela é a minha favorita, absoluta.

Sei que, talvez, ela tenha tido a carreira mais irregular das, digamos, divas do jazz. Quem sabe por ter tentado justamente outros caminhos e estilos - Baltimore, por exemplo, é um reggae suave - ou pelo temperamento difícil, principalmente nas apresentações. Mas tenho uma conexão muito forte com sua música.

E você? O que acha dela?

Abração,

Neumayer

sábado, 12 de março de 2011

Fernando, meu filho, senta que esta é longa (ops!).

Enquanto você se divertia nas Ôropa, o mundo continuava rodando por aqui. A ordem cronológica dos fatos já me escapa, de modo que vou jogando as lembranças a esmo.

Me chegou uma edição "platinum" (sim, é assim que eles chamam) de Deleted Scenes From the Cutting Room Floor, da holandesa Caro Emerald. Já falamos nela? Acho que não. Fui alertado de sua existência há alguns meses, pelo blog do ACM, e já havia corrido atrás do disco na internet. É, mal comparando, um Ben L'Oncle Soul de saias, no sentido de "popficar" referências passadas, só que menos soul music e mais jazzy, cabaré. Não vai mudar sua vida, mas vale a pena. A edição especial que me chegou tem clipes, vídeos de performances ao vivo e uma inusitada faixa bônus: uma releitura de Bad Romance, da Lady GaGa. Os clipes de Back It Up e That Man são os melhores, investindo numa estética vintage que me leva a perguntar, filosoficamente: o futuro da música é o passado?

Falando em passado, dia desses, vasculhando despretensiosamente (mentira, nunca é despretensiosamente) as prateleiras de jazz da Travessa do Centro, dei de cara com um disco com um tocador de tuba na capa. Só ele, mais ninguém. Fiquei intrigado -- não que não exista, mas é raro esse tipo de músico atuar como líder, e o destaque dado a ele na capa indicava que, sim, era ele que comandava a sessão. O nome do sujeito: Ray Draper. Nunca tinha ouvido falar, ignorância minha. Fiquei ainda mais intrigado quando li, na capa, "featuring John Coltrane". Pombas, como assim? Tocadores de tuba eram líderes nos primórdios do jazz, quando o instrumento ainda não havia sido substituído pelo contrabaixo e relagado às bandas de rua, brass bands e big bands (o.k., Miles havia reintroduzido a tuba em seu Birth of the Cool, de 1949, mas não dá para dizer que virou algo comum). Se esse disco contava com John Coltrane, ele devia ser de quê?, anos 50, 60? Chequei no verso e bingo, 1957. Lendo a ficha dos músicos, mais motivos para ficar intrigado: achei que, havendo uma tuba, não haveria um baixo, mas caí do cavalo ao ver que havia um baixista. Ou seja, a tuba teria a mesma função, sei lá, de um saxofone ou de um trompete. Comprei, lógico. E não me arrependi. Jazz moderno com belos solos de... tuba! Sabe o que é isso?

E como, em música, uma coisa necessariamente leva a outra -- eu diria "outras", no plural --, pesquisando mais sobre Draper, descobri que ele tocou com Max Roach, baterista estupendo (preferido do meu sogro), e com... Booker Little, um trompetista do qual, mais uma vez, nunca tinha ouvido falar. Se Draper já morreu jovem, com 42 anos, estupidamente assassinado durante um assalto, Little nem se fale: foi-se para o andar de cima com 23, por problemas decorrentes de uremia, que a Wikipedia me informa ser elevação da ureia no sangue. Fui atrás de alguns discos, nos quais se confirmaram influências de Clifford Brown (outro que morreu prematuramente, com 25 anos) e Miles Davis, que pode ir de uma certa melancolia ao hard bop, em geral com um pé no avant-garde. Num vídeo dele no Youtube, um internauta comenta: "Se Booker tivesse vivido mais, hoje estaríamos nos perguntando: 'Miles quem?'" Acho meio exagerado. Booker tinha 11 aninhos quando Miles fez sua primeira revolução no jazz, com Birth of the Cool. Mas, enfim, dá para ter uma ideia do cara.

No meio do caminho, ainda me chegou a caixa do Lobão, com três discos compilando o que ele de melhor fez na carreira, além do DVD do Acústico MTV. Ainda não investiguei os discos a fundo -- fiquei mais concentrado nos hits: Corações Psicodélicos, Vida Louca Vida, Vida Bandida... Para mim, é uma chance de saber mais de um cara cujo som sempre me agradou, mas cuja carreira não acompanhei direito.

Falando em Lobão, comprei o DVD do show Zii e Zie, de Caetano, no qual ele canta Lobão Tem Razão. O baiano e o lobo sempre fizeram esse papel de rivais intelectuais, que se espezinham mutuamente, mas não vivem um sem o outro. Lobão falou disso em uma entrevista recente à Globonews: de como a relação dos dois tem algo da rivalidade entre Wilson Moreira e Noel Rosa -- diferente, ele fez questão de ressaltar, da relação dele com Herbert Vianna, que ele acusa de ter roubado várias de suas ideias. Mas, voltando a Caetano, o DVD é uma beleza, embora nunca alcance o nível do show em si, que foi muito bom. Como era o último show da turnê, a banda soou entrosadíssima, e Caetano estava feliz, à vontade. E ainda teve Jorge Mautner no bis.

Deve ter havido mais coisa nesse ínterim, mas é melhor fechar por aqui. Você também deve ter muito o que falar.

Ah, só mais uma coisa: Paul McCartney vem ao Rio em maio, soube?

Abração, e seja bem-vindo de volta.

Rafael