domingo, 5 de dezembro de 2010

Câmbio, Neumayer,

Toda vez que vejo um espetáculo de Charles Möeller e Claudio Botelho, me pergunto por onde andavam esses talentos que eles pinçam. Com Hair não foi diferente. Não vou nem tocar nos aspectos teatrais -- fico na música, que é o que nos interessa aqui. Todos cantam à beça. As músicas (letras de James Rado e Gerome Ragni, também autores do texto, e melodias de Galt MacDermot) continuam deliciosas, 40 anos depois. Ain't Got No não perdeu o vigor divertido, e Let the Sunshine In, fechando o musical, é um convite a marejar os olhos. Mas Hair é um musical de certa forma atípico: abre justamente com o, digamos, clímax, com o seu grande hino, que é Aquarius -- na peça, intepretado com força arrebatadora por Karin Hils, ex-Rouge. Aí você poderia virar e dizer: "Pô, meu chapa, Rouge? Aquela bandinha do 'aserehe'?" Pois esqueça seus eventuais preconceitos. Na sessão em que estava, a moça foi aplaudida em cena aberta, na hora do refrão.

Falando em aplauso em cena aberta, Preservation Hall Jazz Band foi ó-te-mo, de fato. Curiosamente, desta banda que tocou no Municipal, o trombonista eu havia visto em outro clube de Nova Orleans. E o baterista, o grande Shannon Powell, me foi recomendado enfaticamente pelo concierge de um hotel, mas acabei vendo outra coisa no dia. A banda, você sabe, virou uma grife. Os músicos mudam ao longo do tempo (a banda, afinal, tem décadas de existência) e de acordo com o local onde estão -- certamente, enquanto eles tocavam aqui no Municipal, uma outra versão da banda tocava lá em Nova Orleans. E talvez alguma outra formação estivesse fazendo show em outro lugar, vai saber.

Em Nova Orleans, o Preservation Hall é foco de resistência do dixieland, o jazz tradicional. Fica a alguns passos da Bourbon Street, onde hoje praticamente só se ouve róquenrol, uma coisa meio turistada. Tenho visto Treme, a série da HBO que se passa em Nova Orleans, três meses depois do Katrina. Os músicos da história, todos roots, fazem piada o tempo todo com a Bourbon. O trombonista que é um dos personagens principais tem que ganhar o dinheiro do leite das crianças, e aceita tocar num clube na Bourbon Street, mas tem vergonha de contar aos amigos. Quando eles ficam sabendo, dizem, meio que consolando, mas sem acreditar de fato no que falam: "There's dignity on Bourbon, man!"

Bem, há dignidade no Preservation Hall, uma casa antiquíssima, que mantém seu charme. Os shows começam cedo -- uma sessão às 20h, outra às 22h. O espaço é um salão não exatamente grande, mas também não pequeno. As pessoas sentam em bancos daqueles compridos, vários deles espalhados pelo local. Quem chega depois vai se acomodando no chão. E quem chega realmente depois fica em pé. Nada que comprometa a experiência -- muito pelo contrário, acho. O lugar, afinal, não é um clube. É um espaço de louvação do jazz tradicional, com direito a instrumentos não microfonados. Nem o vocalista canta no microfone. Quem está lá vai para prestar atenção. Não há mesinhas onde as pessoas ficam namorando ou conversando enquanto os músicos tocam. Do lado de fora, há uns coolers à diposição dos clientes, que podem comprar água ou refrigerante. E só. Nada de cerveja. Comida, então, nem pensar. O lance ali é música, e apenas música.

Você me pergunta sobre Los Hermanos, e eu acho bom. Mas só -- bom. Não tenho nenhum disco. Aliás, tenho o ao vivo deles na Fundição (meio esquecível) e já tive O Bloco do Eu Sozinho, mas foi roubado no carro, se bem me lembro, e não me preocupei em repor. Nunca senti falta. Nunca tive Hermanos no iPod, por exemplo. A verdade é que acho que eu nunca descobri a banda. A idolatria em torno dos caras talvez tenha me afastado. Sempre achei aquela histeria um saco, aquela coisa de a-melhor-banda-de-todos-os-tempos. O disco solo do Camelo, este já me falou mais.

Comprei ontem Brian Wilson Reimagines Gershwin, com a visão do líder dos Beach Boys para a obra do grande George Gershwin. Achei interessantíssimo -- do tipo que, mesmo que você não goste, não tem como negar que é uma apropriação de personalidade, respeitosa, sem ser por demais reverente. Há Brian Wilson ali, mesmo na obra de um dos maiores compositores populares do século. Do contrário, por que regravar?

Nos últimos dias, andei passeando pela edição comemorativa de Bitches Brew, de Miles Davis, o marco inaugural do fusion. Me soou melhor (muito melhor, aliás) do que da primeira vez que ouvi, quando achei muito viajante demais. É fusion, afinal. E você, curte o gênero?

Câmbio, desligo,

R.

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